Edición 23: Materia Oscura

Ué Prazeres

Tiempo de lectura: 11 minutos

A
A

08.08.2022

O invisível tem Textura: O trauma é aqui e agora!?

Retirando o véu da negação: corpo negro e mercadoria

[Español abajo]

Priscila Rezende é uma artista visual e performer, nascida na região sudeste do Brasil na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais (1985). Formada em Artes Plásticas com habilitação em Fotografia e Cerâmica pela Escola Guignard.

Em sua pesquisa poética Priscila investiga já há alguns anos a presença do sujeito negro na sociedade brasileira bem como seu processo histórico de inserção. A artista mineira, a partir de gestos e diálogos silenciosos, desenvolve ações utilizando-se da linguagem da performance. Estreitando a distância da arte com o público leigo — em relação a negação e perpetuação de um projeto político de modernidade escravocrata ainda existente nos dias atuais.

A artista comenta em diversas entrevistas sobre a relação de suas vivências localizada em um corpo categorizado como negro e como mulher, e como isso se torna o mote de suas investigações no campo da arte. Tendo em sua própria trajetória de vida a problemática e o paradigma de elaborar um denso e visceral trabalho de leitura de si e do mundo, desmembra alguns dos processos históricos brasileiros. A fim de proporcionar insights de forma direta e nítida sobre discussões acerca de questões interseccionais ancoradas – sobretudo – em problemáticas raciais, de gênero e das identidades no tempo presente, um tempo ainda colonial.

O trabalho performativo de Rezende é também a concretização de uma imagem que ganha forma através da violência racial normaizada e incentivada pelo imaginário coletivo no território brasileiro. Imaginário que está alinhado ao significante período escravagista. Ao constatar a forma como o Brasil se põe diante das problemáticas da violência colonial, a artista nos ajuda a enxergar a dinâmica da negação com a qual escolhemos lidar com a nossa própria memória. Entretanto ela o faz com muita sensibilidade, a ponto de nos atravessar com seu corpo e sua imagem no mundo.

Meu corpo tem sido meu principal objeto e mídia para criar e expressar perguntas, dúvidas, minha visão sobre o mundo em que vivemos e, especialmente, minha condição específica à frente deste mundo. Vejo o meu trabalho como uma arma de luta contra situações de discriminação, para trazer reflexões e dar voz a algumas discussões que ainda não estão resolvidas na nossa sociedade.[1]

O Brasil é um território central quando falamos da longa e dolorosa história da diáspora negra no mundo, e por consequência das navegações afro-atlânticas.[2] Pois recebeu aproximadamente 46% dos cerca de 11 milhões de africanos e africanas que desembarcaram compulsoriamente neste continente, ao longo de mais de 300 anos. Também foi o último país a abolir a escravidão mercantil com a Lei Áurea de 1888, que perversamente não previu um projeto de integração social, perpetuando até hoje desigualdades econômicas, políticas e raciais.

Achillle Mbembe nos alerta do nascimento do capitalismo alinhado ao período das navegações, desembocando no que o filósofo chama de modernidade atlântica. Ou seja, o período em que o negro se torna mercadoria e uma espécie de moeda de troca. O que chamamos hoje de capitalismo se inicia no momento que o delírio ariano com suas ficções narcísicas cria o que conhecemos como o “negro”. Desse momento em diante todos enquadrados nessas categorias são reduzidos a “coisa” e mercadoria. O negro se torna a primeira e principal fonte de recursos monetários para o projeto de modernização do mundo: a colonização. Tendo em vista os norteadores raciais, a artista aciona em suas performances problemáticas que questionam sobre as fronteiras e os limites da discriminação, refletidos nos estereótipos aos quais o sujeito negro foi submetido. Ela confronta esses limites através de ações viscerais com seu próprio corpo, enquanto ao mesmo tempo busca estabelecer junto ao público posições políticas.

Por diversos momentos as cenas criadas por Rezende nem sempre são passíveis de digestão ou evasão, pois não há possibilidades de encobrir ou velar a situação criada, como comumente ocorre no dia-a-dia em território brasileiro, mas que ganham outras dimensões e formas para além da experiência da própria artista. Tornando-se uma malha em que todos fazem parte e podem sentir a partir de seu próprio corpo em face de um outro corpo subalternizado. Para além de uma densa pesquisa histórica, há uma potência em seu trabalho que reside na experiência do outro. O outro passa então a se ver diante do trauma da artista. Sua pesquisa também propõe caminhos para um diálogo direto com quem está em suas ações, com quem está presenciando e sentindo a visceralidade de uma realidade partilhada por tantos brasileiros, sobretudo mulheres negras brasileiras. As ações de modo sutil e inteligente capturam o espectador inserindo-o no contexto de seu trabalho. Criando uma espécie de aura de tensão que causa o deslocamento do espectador sobre a sua posição de poder, à vista daquele corpo e suas memórias. Pois não há mais como negar o que se apresenta perante seus olhos, quase que num gesto impositivo, toda uma lógica colonial em que o Brasil foi cognitivamente ensinado.

É notável a delicadeza com a qual a artista opera na concepção de suas ações, na composição de cenários, figurinos e elementos escolhidos cuidadosamente… mas que fazem contraponto, incorporam e discorrem sobre as mazelas e dores de uma trajetória da violência fortemente engendrada na América Latina. Essa mesma sutileza é posta em sentido de afirmação política e de cunho ativista, frente a sociedade de modo geral e das facetas amorfas do racismo e suas manutenções. Também da posição subjetiva e da auto estima da mulher negra diante desse cenário. Seja desde a constante subalternização das relações e posições sociais às coreografias do poder. Outros norteadores e questionamentos levantados em seu trabalho partem do lugar controverso da estética, da imposição da aparência e a ditadura da imagem ocidental como parâmetro universal de beleza. Estética x Cultura x Sociedade. Desse modo, também nos diz sobre a mercantilização do corpo: qual corpo é desejável? Qual corpo pode se tornar o desejo? Quais corpos se tornam referências? Referências para quem? Nesse caso o “negro” está na última colocação dessa corrida artificial.

Por fim, faço um paralelo com outra artista negra, do campo da música. Elza Soares, cantora brasileira, em um verso discorre sobre o corpo negro em uma afirmação “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Frase potente que ressoa, não como um lamento, mas como uma denúncia que em diversas camadas e complexidades, complementam as questões presentes no trabalho da artista Priscila Rezende.

***

LO INVISIBLE TIENE TEXTURA: ¿¡EL TRAUMA ESTÁ AQUÍ Y AHORA!?

Priscila Rezende es una artista visual y performer, nacida en la región sureste de Brasil en la ciudad de Belo Horizonte, Minas Gerais (1985). Es licenciada en Bellas Artes con especialización en Fotografía y Cerámica por la Escola Guignard.
En su investigación poética, Priscila lleva algunos años explorando la presencia del sujeto negro en la sociedad brasileña, así como su proceso histórico de inserción. La artista de Minas Gerais, a través de gestos y diálogos silenciosos, desarrolla acciones utilizando el lenguaje de la performance, estrechando la distancia entre el arte y el público laico en relación a la negación y perpetuación de un proyecto político de modernidad esclavócrata que aún existe.

La artista comenta en varias entrevistas la relación de sus experiencias situadas en un cuerpo categorizado como negro y como mujer, y cómo esto se convierte en el lema de sus investigaciones en el campo del arte. Teniendo en su propia trayectoria de vida la problemática y el paradigma para elaborar un trabajo denso y visceral de lectura de sí misma y del mundo, desmembra algunos de los procesos históricos brasileños con el fin de proporcionar percepciones de manera directa y clara sobre las discusiones acerca de las cuestiones de interseccionalidad, ancladas principalmente en la raza, el género y las identidades en el tiempo presente, un tiempo todavía colonial.

El trabajo performativo de Rezende es también la concreción de una imagen que toma forma a través de la violencia racial normalizada y fomentada por el imaginario colectivo en el territorio brasileño, alineado con el significativo periodo de la esclavitud. Al observar la forma en que Brasil afronta los problemas de la violencia colonial, la artista nos ayuda a ver la dinámica de negación con la que elegimos tratar nuestra propia memoria, pero lo hace con gran sensibilidad, hasta el punto de atravesarnos con su cuerpo y su imagen en el mundo.

Mi cuerpo ha sido mi principal objeto y medio para crear y expresar preguntas, dudas, mi visión sobre el mundo en el que vivimos y, especialmente, mi condición específica frente a este mundo. Veo mi trabajo como un arma para luchar contra las situaciones de discriminación, para aportar reflexiones y dar voz a algunos debates que aún no están resueltos en nuestra sociedad.[1]

Brasil es un territorio central cuando se habla de la larga y dolorosa historia de la diáspora negra en el mundo y, en consecuencia, de las navegaciones afroatlánticas[2], ya que recibió aproximadamente 46% de les casi 11 millones de africanes que desembarcaron por la fuerza en este lado del Atlántico a lo largo de más de 300 años. También fue el último país en abolir la esclavitud mercantil con la Ley Áurea de 1888, que perversamente no previó un proyecto de integración social, perpetuando las desigualdades económicas, políticas y raciales hasta nuestros días.

Achille Mbembe nos advierte del nacimiento del capitalismo alineado con el periodo de las navegaciones, que conduce a lo que el filósofo llama la modernidad atlántica, es decir, el periodo en que el hombre negro se convierte en una mercancía y pasa a ser una especie de moneda. Lo que hoy llamamos capitalismo comienza en el momento en que el delirio ario, con sus ficciones narcisistas, crea lo que conocemos como «negro», a partir de ese momento todes les que encajan en estas categorías son reducides a «cosa» y mercancía. El negro se convierte en la primera y principal fuente de recursos monetarios para el proyecto de modernización del mundo, la colonización. Teniendo en cuenta las pautas raciales, la artista desencadena en sus performances puntos y preguntas sobre las fronteras y los límites de la discriminación reflejados en los estereotipos a los que el sujeto negro fue sometido, confrontándolos en acciones viscerales con su cuerpo que al mismo tiempo busca establecer con el público posiciones políticas.
En varios momentos, las escenas creadas por Rezende no son siempre digeribles o evasivas, ya que no hay posibilidad de cubrir o velar la situación creada, como ocurre comúnmente en la vida cotidiana en Brasil, sino que ganan otras dimensiones y formas más allá de la experiencia de la propia artista, convirtiéndose en una malla de la que todes forman parte y la cual pueden sentir desde su propio cuerpo frente a une otre subalternizade. Más allá de una densa investigación histórica hay un poder en su obra que reside en la experiencia de le otre, le otre entonces llega a verse a sí misme frente al trauma de la artista. Su investigación también propone caminos para un diálogo directo con quienes están en sus acciones, con quienes son testigues y sienten la visceralidad de una realidad compartida por tantes brasileñes, especialmente las mujeres negras brasileñas. Las acciones captan sutil e inteligentemente a le espectadore, insertándole en el contexto de su obra, lo que crea una especie de aura de tensión provocando el desplazamiento de le espectadore en su posición de poder a la vista de ese cuerpo y sus recuerdos, casi en un gesto de imposición, porque ya no hay cómo negar lo que se presenta ante los ojos, toda una lógica colonial en la que Brasil fue educado cognoscitivamente.

Es notable la delicadeza con la que la artista opera en la concepción de sus acciones en cuanto a la composición de escenografía, vestuario y elementos cuidadosamente escogidos, pero que en contrapunto incorpora y discute las penas y dolores de una trayectoria de violencia fuertemente engendrada en América Latina. Esta misma sutileza se sitúa en el sentido de la afirmación política y el carácter activista frente a la sociedad en general y las facetas amorfas del racismo y su mantenimiento, también la posición subjetiva y la autoestima de las mujeres negras en este escenario, así como la constante subordinación de las relaciones y posiciones sociales a la coreografía del poder.

Otras pautas y cuestiones planteadas en su obra se basan en el controvertido lugar de la estética, la imposición de la apariencia y la dictadura de la imagen occidental como parámetro universal de belleza. Estética x Cultura x Sociedad. De este modo, también habla de la mercantilización del cuerpo, ¿qué cuerpo es deseable, qué cuerpo puede convertirse en el deseo? ¿Qué organismos se convierten en referencias? ¿Referencias para quién? En este caso, el negro ocupa el último lugar de esta raza artificial.

Por último, hago un paralelismo con otra artista negra, del ámbito de la música. En un verso la cantante brasileña Elza Soares habla del cuerpo negro en una afirmación: «la carne más barata del mercado es la carne negra». Una frase poderosa que suena no como un lamento, sino como una denuncia que en varias capas y complejidades, complementan los temas presentes en la obra de la artista Priscila Rezende.

Notas

  1. Sesc São Paulo, “Central Saint Martins and Sesc São Paulo: Meet Priscila Rezende, Selected for the Artist Residency in Performance,” (30 de novembro de 2017). Encontrado em: https://portal.sescsp.org.br/online/artigo/11615_CENTRAL+SAINT+MARTINS+E+SESC+SA O+SAO+PAULO+CONHECA+PRISCILA+REZENDE+SEL ECIONADA+PARA+A+RESIDENCIA+ARTISTICA+EM+P ERFORMANCE.

  2. Museu de Arte de São Paulo, “Afro-Atlantic Histories.” Encontrado em: https://masp.org.br/exposicoes/ historias-afro-atlanticas.

Comentarios

No hay comentarios disponibles.

filtrar por

Categoría

Zona geográfica

fecha