08.08.2022
Retirando o véu da negação: corpo negro e mercadoria
[Español abajo]
Priscila Rezende é uma artista visual e performer, nascida na região sudeste do Brasil na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais (1985). Formada em Artes Plásticas com habilitação em Fotografia e Cerâmica pela Escola Guignard.
Em sua pesquisa poética Priscila investiga já há alguns anos a presença do sujeito negro na sociedade brasileira bem como seu processo histórico de inserção. A artista mineira, a partir de gestos e diálogos silenciosos, desenvolve ações utilizando-se da linguagem da performance. Estreitando a distância da arte com o público leigo — em relação a negação e perpetuação de um projeto político de modernidade escravocrata ainda existente nos dias atuais.
A artista comenta em diversas entrevistas sobre a relação de suas vivências localizada em um corpo categorizado como negro e como mulher, e como isso se torna o mote de suas investigações no campo da arte. Tendo em sua própria trajetória de vida a problemática e o paradigma de elaborar um denso e visceral trabalho de leitura de si e do mundo, desmembra alguns dos processos históricos brasileiros. A fim de proporcionar insights de forma direta e nítida sobre discussões acerca de questões interseccionais ancoradas – sobretudo – em problemáticas raciais, de gênero e das identidades no tempo presente, um tempo ainda colonial.
Meu corpo tem sido meu principal objeto e mídia para criar e expressar perguntas, dúvidas, minha visão sobre o mundo em que vivemos e, especialmente, minha condição específica à frente deste mundo. Vejo o meu trabalho como uma arma de luta contra situações de discriminação, para trazer reflexões e dar voz a algumas discussões que ainda não estão resolvidas na nossa sociedade.[1]
O Brasil é um território central quando falamos da longa e dolorosa história da diáspora negra no mundo, e por consequência das navegações afro-atlânticas.[2] Pois recebeu aproximadamente 46% dos cerca de 11 milhões de africanos e africanas que desembarcaram compulsoriamente neste continente, ao longo de mais de 300 anos. Também foi o último país a abolir a escravidão mercantil com a Lei Áurea de 1888, que perversamente não previu um projeto de integração social, perpetuando até hoje desigualdades econômicas, políticas e raciais.
Achillle Mbembe nos alerta do nascimento do capitalismo alinhado ao período das navegações, desembocando no que o filósofo chama de modernidade atlântica. Ou seja, o período em que o negro se torna mercadoria e uma espécie de moeda de troca. O que chamamos hoje de capitalismo se inicia no momento que o delírio ariano com suas ficções narcísicas cria o que conhecemos como o “negro”. Desse momento em diante todos enquadrados nessas categorias são reduzidos a “coisa” e mercadoria. O negro se torna a primeira e principal fonte de recursos monetários para o projeto de modernização do mundo: a colonização. Tendo em vista os norteadores raciais, a artista aciona em suas performances problemáticas que questionam sobre as fronteiras e os limites da discriminação, refletidos nos estereótipos aos quais o sujeito negro foi submetido. Ela confronta esses limites através de ações viscerais com seu próprio corpo, enquanto ao mesmo tempo busca estabelecer junto ao público posições políticas.
É notável a delicadeza com a qual a artista opera na concepção de suas ações, na composição de cenários, figurinos e elementos escolhidos cuidadosamente… mas que fazem contraponto, incorporam e discorrem sobre as mazelas e dores de uma trajetória da violência fortemente engendrada na América Latina. Essa mesma sutileza é posta em sentido de afirmação política e de cunho ativista, frente a sociedade de modo geral e das facetas amorfas do racismo e suas manutenções. Também da posição subjetiva e da auto estima da mulher negra diante desse cenário. Seja desde a constante subalternização das relações e posições sociais às coreografias do poder. Outros norteadores e questionamentos levantados em seu trabalho partem do lugar controverso da estética, da imposição da aparência e a ditadura da imagem ocidental como parâmetro universal de beleza. Estética x Cultura x Sociedade. Desse modo, também nos diz sobre a mercantilização do corpo: qual corpo é desejável? Qual corpo pode se tornar o desejo? Quais corpos se tornam referências? Referências para quem? Nesse caso o “negro” está na última colocação dessa corrida artificial.
Por fim, faço um paralelo com outra artista negra, do campo da música. Elza Soares, cantora brasileira, em um verso discorre sobre o corpo negro em uma afirmação “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Frase potente que ressoa, não como um lamento, mas como uma denúncia que em diversas camadas e complexidades, complementam as questões presentes no trabalho da artista Priscila Rezende.
***
LO INVISIBLE TIENE TEXTURA: ¿¡EL TRAUMA ESTÁ AQUÍ Y AHORA!?
La artista comenta en varias entrevistas la relación de sus experiencias situadas en un cuerpo categorizado como negro y como mujer, y cómo esto se convierte en el lema de sus investigaciones en el campo del arte. Teniendo en su propia trayectoria de vida la problemática y el paradigma para elaborar un trabajo denso y visceral de lectura de sí misma y del mundo, desmembra algunos de los procesos históricos brasileños con el fin de proporcionar percepciones de manera directa y clara sobre las discusiones acerca de las cuestiones de interseccionalidad, ancladas principalmente en la raza, el género y las identidades en el tiempo presente, un tiempo todavía colonial.
El trabajo performativo de Rezende es también la concreción de una imagen que toma forma a través de la violencia racial normalizada y fomentada por el imaginario colectivo en el territorio brasileño, alineado con el significativo periodo de la esclavitud. Al observar la forma en que Brasil afronta los problemas de la violencia colonial, la artista nos ayuda a ver la dinámica de negación con la que elegimos tratar nuestra propia memoria, pero lo hace con gran sensibilidad, hasta el punto de atravesarnos con su cuerpo y su imagen en el mundo.
Mi cuerpo ha sido mi principal objeto y medio para crear y expresar preguntas, dudas, mi visión sobre el mundo en el que vivimos y, especialmente, mi condición específica frente a este mundo. Veo mi trabajo como un arma para luchar contra las situaciones de discriminación, para aportar reflexiones y dar voz a algunos debates que aún no están resueltos en nuestra sociedad.[1]
Brasil es un territorio central cuando se habla de la larga y dolorosa historia de la diáspora negra en el mundo y, en consecuencia, de las navegaciones afroatlánticas[2], ya que recibió aproximadamente 46% de les casi 11 millones de africanes que desembarcaron por la fuerza en este lado del Atlántico a lo largo de más de 300 años. También fue el último país en abolir la esclavitud mercantil con la Ley Áurea de 1888, que perversamente no previó un proyecto de integración social, perpetuando las desigualdades económicas, políticas y raciales hasta nuestros días.
Es notable la delicadeza con la que la artista opera en la concepción de sus acciones en cuanto a la composición de escenografía, vestuario y elementos cuidadosamente escogidos, pero que en contrapunto incorpora y discute las penas y dolores de una trayectoria de violencia fuertemente engendrada en América Latina. Esta misma sutileza se sitúa en el sentido de la afirmación política y el carácter activista frente a la sociedad en general y las facetas amorfas del racismo y su mantenimiento, también la posición subjetiva y la autoestima de las mujeres negras en este escenario, así como la constante subordinación de las relaciones y posiciones sociales a la coreografía del poder.
Otras pautas y cuestiones planteadas en su obra se basan en el controvertido lugar de la estética, la imposición de la apariencia y la dictadura de la imagen occidental como parámetro universal de belleza. Estética x Cultura x Sociedad. De este modo, también habla de la mercantilización del cuerpo, ¿qué cuerpo es deseable, qué cuerpo puede convertirse en el deseo? ¿Qué organismos se convierten en referencias? ¿Referencias para quién? En este caso, el negro ocupa el último lugar de esta raza artificial.
Sesc São Paulo, “Central Saint Martins and Sesc São Paulo: Meet Priscila Rezende, Selected for the Artist Residency in Performance,” (30 de novembro de 2017). Encontrado em: https://portal.sescsp.org.br/online/artigo/11615_CENTRAL+SAINT+MARTINS+E+SESC+SA O+SAO+PAULO+CONHECA+PRISCILA+REZENDE+SEL ECIONADA+PARA+A+RESIDENCIA+ARTISTICA+EM+P ERFORMANCE.
Museu de Arte de São Paulo, “Afro-Atlantic Histories.” Encontrado em: https://masp.org.br/exposicoes/ historias-afro-atlanticas.
Comentarios
No hay comentarios disponibles.