Edición 24: Cabeza de tierra

Elton Panamby

Tiempo de lectura: 17 minutos

A
A

09.01.2023

Carne viva

»Por onde sangrar? Por que/quem sangrar? Onde sangrar?»

[Texto en español debajo]

Para falar sobre o sangue cortamos as cabeças colonizadoras. Elas saem rolando de nossa boca e é a partir deste jorro de livramento que extraímos a tinta para gravar nestas páginas impressas alguma marca de nossos corpos derramados pelo atropelo das caravelas.

Por onde sangrar? Por que/quem sangrar? Onde sangrar?

Localizar, desenhar os mapas de onde se deitar. As diferenças entre o veludo vermelho que derramo em territórios de encante e acolhida, e a poça onde me vejo no quadro branco de Genebra. Partilhar-se aos seus parentes, aos olhares da etnografia, ao mercado da arte… há abismos de distância. Preto, branco e um rio vermelho no meio. Danço na terceira margem.

Em 2008 iniciei uma jornada por caminhos vermelhos tecidos com minha própria carne.  Processos de tatuagem, sutura, perfurações e suspensão corporal, interessava-me despertar o corpo/sentidos a partir da carne atravessada, do fluxo de sangue desviado de dentro para fora. Era muito e eu precisava vazar, romper barragens. Inicialmente eram ritos pessoais, na intimidade das cicatrizes curativas. No tempo foram compartilhados, coletivizados, tornaram e entornaram em cena, estesia, obra. Sangue e carne como moedas de troca num mercado que pede por espetáculos em carne-viva.

04 de dezembro de 2015[1]. Depois de comer o rabo de um escorpião na madrugada com um último gole de mezcal, o corpo iniciou um processo de expurgação. Vomitar, vomitar, até não ter mais o que jorrar. As tripas pareciam se revirar e uma dor apunhalava o estômago até a coluna subindo por toda a espinha ardendo no cérebro. Trepidava espasmódica. O corpo dizendo não, entrando em colapso de ansiedade. Trinta e nove dias no inverno europeu. Eu sempre tive medo da Europa. A metrópole nunca me inspirou confiança… Desde o início tive medo dessa jornada. Sempre achei que não voltaria vivo. Então morri, primeiro pelo auto-envenenamento, depois (…)

As coisas se seguram em fios de gosma. Faltando cerca de 30min para perdermos o vôo, levantei subitamente da cama, vesti uma calça, um tênis, peguei um casaco, lavei o rosto e disse – Bora. Pegamos aquele avião com 5kg de penas brancas, sacos de pérolas falsas, agulhas, muitas agulhas e outros materiais cirúrgicos para os trabalhos.

Fomos, Filipe Espindola e eu, a convite do performer Yann Marussich, para Genebra, Suí$$a[2], para participar da exposição Experience of Imobility[3], mostra retrospectiva de quase 30 dias, onde apresentamos nosso trabalho Pérolas aos Porcos e participamos de duas performances de Yann, La Chaise e Blessure. O convite surgiu a partir do encontro entre nós em 2014 na Casa 24/RJ. Cozinhei para o artista que admirava e pesquisava desde 2006. Meses depois conversávamos via Skype fechando os detalhes da venda do sangue, quer dizer da venda dos corpos, quer dizer da participação no festival.

No segundo dia de viagem, Filipe sofreu uma infecção renal seguida de infecção hospitalar. Primeiro, internado durante oito dias. No dia seguinte à alta, cada um de nós retirou 400ml de sangue das veias para usar na performance de Yann, La Chaise. Depois das apresentações uma nova internação devido à uma bactéria. Mais cinco dias. Todos os dias uma nova assistente social para saber se não éramos ilegais, cenas de humilhação em alto nível, em francês.

Dia após dia minha ira acumulava-se e dobrava-se sobre si mesma. Os olhares, os comentários, “não passe por ali pois há negros imigrantes vendendo drogas”, “não passe por ali pois há os sírios”, “cuidado com os palestinos”. E com todos esses sujeitos estigmatizados eu conversava, trocava breves olhares de identificação e sentia-me compreendide. Todes nós, corpos estranhos à sociedade multicultural genovese, nos encontrávamos de alguma maneira.

Museu de Etnografia de Genebra. Disseram que eu tinha que ir, um dos melhores museus de etnografia do mundo. Entrei e fui para o porão onde fica o acervo permanente. E dei de cara com a cultura da barbárie, do roubo, do estupro colonial. Muitas das peças ali, fora de contexto, em lugares que ferem comunidades de povos originários, povos africanos, indianos, orientais, objetos roubados expostos na absoluta ignorância político-social que acompanha a existência de museus como este. Os objetos morrem[4] junto com os povos que os conquistadores insistem em soterrar. Enquanto eles insistem em olhar como fetiches, exotismo, estranheza, ali via os traços distópicos de uma diáspora ignorada. Banzo.

Comecei a observar as fotos que Emilie Salquebre tirou após a performance La Chaise, Pérolas aos Porcos e Blessure. Fundo preto. Fotos de frente, perfil. Corpo sinuoso, bunda empinada. Semelhanças brutais com os livros de catalogação de escravizades nos portos, museus de etnografia coloniais, arquivos médicos e policiais. Nas fotos de Emilie eu me via como mais um corpo catalogável, objetificado, periciado, outra vez e outra vez…

La Chaise. Três dias em imobilidade durante uma hora. Sentade na cadeira de açúcar. Segundo dia, minha bolsa de sangue com um grande coágulo no fino tubo. O sangue não quer ser derramado ali. A insistência e o rigor técnico da equipe da Cia Yann Marussich desentopem a via e inicia-se o gotejamento. As pernas da cadeira feitas de cubos de açúcar – que milimetricamente posicionei durante 6h em um dia em que montei as três cadeiras – absorviam o sangue que escorria pelo braço. Depois de 1h o desmoronamento. Na queda, o açúcar açoitou as costas e a coxa, onde levo as cicatrizes. Em seguida, fotos no tiradas por Emilie. Frente, lado. Tomo banho e me preparo para fazer Pérolas aos Porcos na sequência. Eu tinha sangue nos olhos. Eu tinha raiva e olhava para cada um emanando emoções ancestrais. No segundo dia, deitade por 1h hora enquanto Filipe sucumbia no gotejamento, vi nitidamente meu reflexo na poça de sangue. Aquele sangue todo ali derramado e a carne viva. Para nós a questão do açúcar não é alimentar, não é pelas pessoas comerem demais conforme o argumento de Yann. O açúcar é escravidão, engenho de cana de açúcar, são nosses avós cortando cana nas lavouras, é o açoite da miséria.

Há uma revolta latente quando percebemos que nosso sangue tornou-se poça cristalizada em açúcar branco. Não somos contra o colonial, trabalhamos para sua completa destruição. Os olhares… aprender a desviá-los, bloqueá-los, desolha-los, mirar de frente quando preciso e quando há força em nossos olhos cansados… São escudos e lanças que afiamos para passar entre as brancas nuvens que nublam os céus da alta cultura, da tal da ARTE. O olhar é necróptico.

Em Blessure, trabalho realizado na virada do ano (2015/2016) durante 4h, fui servide como na corte do rei Luis XV. Comandadas aos berros por um homem vestido tal como Cristóvão Colombo, mulheres cisgeneras italianas e uma de origem peruana serviam comida aos convidados que assistiam à performance. O homem branco europeu com e negre brasileire num ringue de penas brancas para o deleite da plateia que se delicia com barcas de aço de coelhos assados, trutas defumadas, vinhos e tantas outras iguarias da nobreza. Para o abate! Enquanto isso, uma moça muito loira, de olhos muito claros e pele alvíssima desfilava lentamente ao redor, a cada hora com um novo figurino assinado por um estilista. E o sangue… novamente o sangue, dessa vez brotando de minha costela direita ao movimento de Yann retirar a lança ali instalada. Jorrava. Era um animal sangrando sobre penas brancas e o público com as bocas cheias, sorrindo.

Você está me comendo tanto pelos olhos
Que eu já não tenho de onde tirar força pra te alimentar.
—Stela do Patrocínio[5]

Era a morte. Morri muitas vezes ali. Meus encantados, meus guias, abatidos ali. Que tristeza… É preciso muito caminhar pelas trilhas do asé para recompor a vida desse corpo e reconhecer a preciosidade e potência de nosso ejé, sangue afropindorâmico, que sangria deve trazer cura e não obliteração.

A carne deve permanecer viva em vida e não ferida em carne-viva.

Uma hora o vômito sai, as barragens são derrubadas pela água, e uma escuridão reflexiva toma conta. Neste escuro profundo é possível regenerar raízes, seivas, e perceber que nossas escutas precisam deste breu longe das luzes brancas que a tudo congelam. Intuições, percepções e sensibilidades que manifestam, mas muitas vezes sabotades pelo véu colonial não damos a devida atenção. Segredos, entregas e sobrevivências: mandingas para sobreviver no inferno[6].

MEU SANGUE NÃO ESTÁ A VENDA

As cicatrizes que marcam meu corpo
As feridas abertas do corpo posto à mesa de jantar
Prostro à mesa de jantar
Je ne parle pas français du petite negre
Je ne parle pas français du petite negre
Não somos iguais, não somos nem semelhantes
Não somos parentes
Pariwat
Você pariwat
Meu sangue não está à venda
Não está contemplado pelo pagamento do imposto não está
Curvado meu corpo não está
Mais debaixo do seus pés
Meu sangue não está à venda
Mais abaixo de seus pés
Nossos corpos foram postos à venda
Entreposto
essa senda de caminhar pelas brutas fendas
Que marcam o solo negro do açoite
É no porto o berço de vossa civilização e o cemitério de nossa cultura
Não sacuda para mim essas notas de dinheiro
Não é com suas moedas que vai lavar as costas de meus avós
Não me mostre as caras de suas barbáries coloniais
Não é roubando nossos cocares exibindo no museu e nos cobrando um ingresso
Que vão ganhar o passe livre de carregar nossas matrizes em tubos de ensaio
Não disfarce o racismo que habita seus hábitos e seu hálito
Te observo de longe
Rum…
Ruminar nunca foi Nietzsche
Mas quem nunca pastou não sabe o que é mascar a mesma grama duas vezes.

[A continuación texto en español]

Para hablar de sangre cortamos las cabezas colonizadoras. Salen rodando de nuestras bocas, y es de este borbotón de liberación que extraemos la tinta para grabar en estas páginas impresas algunas de las marcas de nuestros cuerpos derramadas por el atropello de las carabelas.

¿Dónde sangrar? ¿Por qué/para qué sangrar? ¿Dónde sangrar?

Localizar, dibujar los mapas de dónde se debe situar. Las diferencias entre el terciopelo rojo que derramo en territorios de encanto y acogida, y el charco donde me veo en la pantalla blanca de Ginebra. Compartirte con tus familiares, con las miradas de la etnografía, con el mercado del arte… son abismos de distancia. Negro, blanco y un río rojo en medio. Bailo en la tercera orilla.

En 2008, inicié un viaje por caminos rojos tejidos con mi propia carne. Procesos de tatuaje, sutura, perforaciones y suspensión del cuerpo, me interesaba despertar el cuerpo/sentidos desde la carne atravesada, desde el flujo sanguíneo desviado de dentro hacia fuera. Era demasiado y necesitaba filtrar, romper diques. Al principio eran ritos personales, en la intimidad de la curación de las cicatrices. Con el tiempo se compartieron, se colectivizaron, se convirtieron y se derramaron en una escena, en una inmovilización, en una obra.

La sangre y la carne como monedas de cambio en un mercado que pide espectáculos en carne viva. 

4 de diciembre de 2015.[1] Después de comer la cola de un escorpión en la madrugada con un último sorbo de mezcal, el cuerpo comenzó un proceso de purga. Vómitos, vómitos, hasta que no le quedó nada para chorrear. Las tripas parecieron retorcerse y un dolor apuñaló desde el estómago hasta la columna vertebral, subiendo por ella quemando en el cerebro. Se movía espasmódicamente. El cuerpo diciendo que no, colapsando de ansiedad. Treinta y nueve días en el invierno europeo. Siempre había tenido miedo de Europa. La metrópoli nunca me inspiró confianza. Desde el principio tuve miedo de este viaje. Siempre pensé que no volvería con vida. Así que morí, primero por autoenvenenamiento, luego…

Las cosas se mantienen unidas en hilos de pegamento. Cuando faltaban unos 30 minutos para que perdiéramos el vuelo, me levanté de repente de la cama, me puse unos pantalones, unas zapatillas, cogí una chaqueta, me lavé la cara y dije: «Vamos». Tomamos ese avión con 5 kg de plumas blancas, bolsas de perlas falsas, agujas, muchas agujas, y otros materiales quirúrgicos para los trabajos.

Fuimos Filipe Espindola y yo, invitados por el performer Yann Marussich, a Ginebra, Suiza,[2]para participar en la exposición Experience of Immobility[3] [Experiencia de inmovilidad], una muestra retrospectiva de casi 30 días, donde presentamos nuestro trabajo Pérolas aos Porcos [Perlas a los cerdos] y participamos en dos de las performances de Yann, La Chaise y Blessure. La invitación surgió del encuentro entre nosotros en 2014, en la Casa 24/RJ. Cociné para el artista que había admirado e investigado desde 2006. Meses después hablamos por Skype, cerrando los detalles de la venta de la sangre, digo de la venta de los cuerpos, digo de la participación en el festival.

El segundo día del viaje, Filipe sufrió una infección renal seguida de una infección hospitalaria. La primera hospitalización fue de ocho días. Al día siguiente del alta, cada uno de nosotros se extrajo 400 ml de sangre de las venas para utilizarla en la actuación de Yann, La Chaise. Después de las actuaciones, otra hospitalización por una bacteria. Otros cinco días. Cada día una nueva trabajadora social para comprobar si no éramos ilegales, escenas de humillación de alto nivel, en francés.

Día tras día mi ira se acumulaba y se replegaba sobre sí misma. Las miradas, los comentarios: «no pases por ahí porque hay inmigrantes negros vendiendo droga», «no pases por ahí porque hay sirios», «cuidado con los palestinos». Y con todos estos sujetos estigmatizados hablé, intercambié breves miradas de identificación y me sentí comprendido. Todos nosotros, cuerpos extraños en la sociedad multicultural ginebrina, nos encontramos de alguna manera.

Museo de Etnografía de Ginebra. Me dijeron que tenía que ir, uno de los mejores museos de etnografía del mundo. Entré y me dirigí al sótano, donde está la colección permanente. Y me encontré cara a cara con la cultura de la barbarie, el robo y la violación colonial. Muchas de las piezas allí, fuera de contexto, en lugares que hieren a comunidades de pueblos originarios, africanos, indios y orientales, objetos robados expuestos en la absoluta ignorancia política y social que acompaña la existencia de museos como este. Los objetos mueren[4] junto con los pueblos que los conquistadores se empeñan en enterrar. Mientras se empeñan en verlos como fetiches, exotismo, extrañeza, allí vi las huellas distópicas de una diáspora ignorada. Banzo

Me puse a mirar las fotos que Emilie Salquèbre hizo después de la representación de La Chaise, Pérolas aos Porcos y Blessure. Fondo negro. Frente, fotos de perfil. Cuerpo sinuoso, culo respingón. Brutales similitudes con los libros de catalogación de la esclavitud en los puertos, los museos de etnografía colonial, los archivos médicos y policiales. En las fotos de Emilie me veía como un cuerpo más que podía ser catalogado, objetivado, pergeñado, una y otra vez…

La Chaise. Tres días en inmovilidad durante una hora. Sentado en la silla de azúcar. Segundo día, mi bolsa de sangre con un gran coágulo en el tubo fino. La sangre no quiere ser derramada allí. La insistencia y el rigor técnico del equipo de Cia Yann Marussich desatascan el tubo y comienza el goteo. Las patas de la silla hecha de terrones de azúcar —que coloqué milimétricamente durante 6 horas en un día en el que monté las tres sillas— absorbieron la sangre que goteaba por el brazo. Después de 1 hora el colapso. En la caída, el azúcar golpeó mi espalda y mi muslo, donde llevo las cicatrices. A continuación, fotos en el vestuario por Emilie. Delantero, lateral. Me ducho y me preparo para hacer Pérolas aos Porcos en la secuencia. Tenía sangre en los ojos. Me enfadé y miré a cada uno emanando emociones ancestrales. El segundo día, tumbado durante 1 hora mientras Filipe sucumbía al goteo, vi claramente mi reflejo en el charco de sangre. Toda esa sangre derramada allí y la carne viva. Para nosotros, el tema del azúcar no tiene que ver con la comida, no se trata de que la gente coma demasiado, según el argumento de Yann. El azúcar es la esclavitud, los ingenios, nuestros abuelos cortando caña en las plantaciones, es el látigo de la miseria.

Hay una revuelta latente cuando nos damos cuenta de que nuestra sangre se ha convertido en un charco cristalizado en azúcar blanco.

No estamos en contra del colonialismo, trabajamos por su completa destrucción. Las miradas… aprender a desviarlas, a bloquearlas, a anularlas, a apuntar de frente cuando sea necesario y cuando haya fuerza en nuestros ojos cansados… Son escudos y lanzas que afilamos para pasar entre las nubes blancas que nublan los cielos de la alta cultura, de ese ARTE.

La mirada es necrótica.

En Blessure, trabajo realizado en el cambio de año (2015/2016) durante 4 horas, fui atendido como en la corte del rey Luis XV. Al mando de los gritos de un hombre vestido de Cristóbal Colón, las mujeres cisgénero italianas y una de origen peruano sirvieron la comida a los invitados que asistían a la representación. El blanco europeo con el negro brasileño en un anillo de plumas blancas para el deleite del público que se deleitó con barritas de acero de conejo asado, trucha ahumada, vino y tantos otros manjares de la nobleza. ¡Al matadero! Mientras tanto, una chica muy rubia, de ojos muy claros y piel blanca desfilaba lentamente, cada hora con un nuevo traje firmado por un estilista. Y la sangre… de nuevo la sangre, esta vez brotando de mi costilla derecha mientras Yann se movía para quitar la lanza instalada allí. Salió a borbotones. Era un animal sangrando en plumas blancas y el público con la boca llena, sonriendo.

Me estás comiendo tanto por los ojos
Que no tengo ningún otro sitio de dónde sacar fuerzas para alimentarte.
 
—Stela do Patrocínio[5]

Era la muerte. He muerto muchas veces allí. Mis encantados, mis guías, masacrados allí. Qué triste. Hay que caminar mucho por los senderos del asé para recomponer la vida de este cuerpo y reconocer la preciosidad y la potencia de nuestra sangre ejé, afro-pindorámica, que debe traer curación y no obliteración. La carne debe permanecer viva en la vida y no herida en la carne viva.

En una hora sale el vómito, las presas son derribadas por el agua y una oscuridad reflexiva se apodera de ellas. En esta profunda oscuridad es posible regenerar las raíces, la savia, y darse cuenta de que nuestra escucha necesita este tono lejos de las luces blancas que lo congelan todo. Intuiciones, percepciones y sensibilidades que se manifiestan, pero muchas veces saboteadas por el velo colonial al que no prestamos la debida atención. Secretos, entregas y supervivencia: mandingas para sobrevivir en el infierno.[6]

MI SANGRE NO ESTÁ EN VENTA

Las cicatrices que marcan mi cuerpo
Las heridas abiertas del cuerpo puesto en la mesa
Postrado en la mesa de comedor
Je ne parle pas français du petite negre
Je ne parle pas français du petite negre
No somos iguales, no somos similares
No estamos relacionados
Pariwat
Usted pariwat
Mi sangre no está en venta
No está cubierto por el pago del impuesto no es
Doblar mi cuerpo no es
No más bajo tus pies
Mi sangre no está en venta
Más abajo de tus pies
Nuestros cuerpos fueron puestos a la venta
Entreposto
Este camino de caminar a través de las brutales grietas
Que marcan la tierra negra del látigo
El puerto es la cuna de su civilización y el cementerio de nuestra cultura
No me sacudas esos billetes de dinero
No es con tus monedas que lavarás las espaldas de mis abuelos
No me muestres las caras de tus barbaridades coloniales
No nos roben los tocados para exhibirlos en el museo y cobrarnos una entrada
Que te den un pase libre para llevar nuestras matrices en tubos de ensayo
No disimules el racismo que habita en tus hábitos y tu aliento
Te observo desde lejos
El ron…
Rumiar nunca fue Nietzsche
Pero quien nunca ha pastado no sabe lo que es masticar dos veces la misma hierba.

Notas

  1. Nota de onírica: desnoite. Uma pata de besouro caranguejo saía pelo meu ouvido no meio do acidente aéreo e das ruínas terrestres. Bato contra-cabeça, bato cabeça. Pego uma pinça longa e de frente a um espelho quebrado saco de dentro da cabeça o inseto todo, vivo: uma barata que comia um besouro e entrara para tentar comer minha cabeça, cabaça podre. Ainda há assombro.

  2. Grafia adotada para “Suíça” por motivos de coerência ética-estética.

  3. https://experienceofimmobility.wordpress.com/.

  4. Chris Marker, Alain Resnais e Ghislain Cloquet, As Estátuas Também Morrem, 1953.

  5. Stela do Patrocínio. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Org. Viviane Mosé. (Brazil: Beco do Azougue, 2009).

  6. Referência ao álbum/livro Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais Mc’s.

Comentarios

No hay comentarios disponibles.

filtrar por

Categoría

Zona geográfica

fecha