
Hilando con sutileza las fibras de las fuentes orales, Lior Zisman Zalis nos habla del "terecô", en la región de Codó, Brasil: más allá de ser una religión o "fenómeno cultural" es otra forma de concebir la agencia y la intransigencia de los seres, desafiando a su vez los alcances de la razón instrumental occidentalizada.
[Texto en español debajo] A ausência de registros, de documentação oficial e a falta de atenção por parte de historiadores ao terecô de Codó dificulta o acesso a uma memória fragmentada e dispersa pela oralidade dos mais antigos. Tendo como interlocutores os mais velhos, sua locução fragilizada produz uma sonoridade rouca de palavras trabalhadas no sussuro. O cansaço da voz dispersa o que contam, despreocupados com a certeza da sua apreensão. Aparece algo da natureza do murmúrio, essa coisa feita de som e músculo que ora canta, ora conta, ora se perde para logo encontrar caminho para seguir ecoando. Tentarei aqui rascunhar algumas das memórias que possam armar uma estrutura de reflexão e suspeita. Contadas a mim e outras a amigas, são memórias que não se encaixam, que afrontam, desafiam e apontam limites a certo sentido de ação política. Aspirando operativos táticos, elas anunciam que a pluralidade do ser produz uma pluralidade do agir. Desenham horizontes e suspeições para os projetos de secularização. Narram uma política encantada. O terecô é uma religião de matriz africana com significativa influência indígena cujo berço é a Região dos Cocais, especificamente o município de Codó, interior do Estado do Maranhão no Brasil. Identificada também como encantoria, encantaria, nagô ou macumba —e em muitos casos como umbanda—, encontramos praticantes e tendas de terecô do Ceará ao Pará, cada uma com um terecô distinto. Essa diversidade faz com que qualquer tentativa de definir a encantoria seja insuficiente. Não apenas pela complexidade e variedade de práticas em cada casa, cada uma com sua doutrina, mas também pelo segredo e mistério que a acompanha. No terecô, a obediência, o cuidado, as obrigações e o zelo são feitos aos encantados, entidades que baixam ou incorporam nos corpos dos brincantes (como se autodenominam os praticantes) em diferentes contextos da vida social, não necessariamente restritos ao momento do tambor. Essa presença sistêmica faz destas entidades seres que participam ativamente do cotidiano e do dia a dia dos brincantes, entramando a vida humana com a não humana.
As histórias, ainda que sejam muitas, são pouco transmitidas aos mais novos e estão constantemente sujeitas ao desaparecimento e esquecimento. Peço, portanto, licença aos brincantes e aos encantados para contá-las aqui.A irreverência dos encantados em relação àqueles que os desafiam aparece em diferentes trabalhos sobre o terecô. A antropóloga Mundicarmo Ferretti registrou que Légua Boji Buá de Trindade, o Velho, entidade antiga e chefe da Encantaria da Mata Codoense, estava associado a defesa dos escravizados frente aos senhores. Sua atitude desafiante era marcada por histórias de aparecimentos transgressores. Conta-se que ele entrava na cidade montado em um burro, segurando o rabo do animal como a rédea, cuspindo nas casas dos brancos. A quem viesse falar com ele, logo castigava, possuindo-a e fazendo com que se debatesse no chão, ou colocando-a para subir em árvores altas cheias de espinhos. Depois disso partia com sua garrafa de cachaça e desaparecia.[1] Raimundinho Pombo Roxo, pai de santo com 94 anos de idade, conta a história do dia em que o Velho foi preso na delegacia depois de uma batida policial, fato recorrente no tempo em que o terecô era proibido e perseguido pela polícia. Na história, registrada inicialmente pela antropóloga Martina Ahlert[2], o Velho, em cima da finada Nazá, chegou na delegacia preso, mas logo pediu cachaça e dançou ao som da cabaça tocada por Raimundinho. Desafiando o Tenente Vitorino - figura que aparece em diferentes memórias da perseguição ao terecô - e os policiais com giramentos dançados e densos e constantes goles, foi liberado para nunca mais voltar. Escutei de Tereza, mãe pequena da Tenda Espírita de Umbanda Santa Bárbara, atualmente chefiada pela Mãe de Santo Maria dos Santos, a história de outra prisão do Velho Légua. Durante uma batida policial para acabar com o terecô, enquanto todos fugiram, Légua Boji, montado (incorporado) em um homem, ficou parado no meio do salão, estendeu as mãos e disse ao policial “Me prende”. Assim fizeram e o levaram para a delegacia. Ao chegar lá, abriu a cela e mandou os policiais entrarem. Confusos com o pedido, Légua logo explicou: “Não fiz nada errado para ser preso, quem fez foi vocês, pois tratem de entrar aí” e os policiais cumpriram. O velho Légua só saiu saindo. Cada vez que escuto histórias de como os encantados desafiavam o Estado através da afronta aos agentes policiais, penso na radicalidade política desta memória. Nessa política da afronta joga-se com a racionalidade do Estado. Sua força repressida é desafiada pelos encantados e pelos brincantes, não apenas colocando medo nos seus agentes, mas jogando, brincando e dançando com sua autoridade. O lúdico, o político e o desafio entrezcruzam-se na conformação de uma ação política própria.
Submeter-se ao ritmo do terecô, chamado de ritmo ou tambor da Mata, é transformar a autoridade performativa do Estado.
Aparece algo de la naturaleza del murmullo, esa cosa hecha de sonido y músculo que a veces canta, a veces cuenta, a veces se pierde y luego encuentra su camino para seguir haciendo eco.Intentaré aquí esbozar algunos de los recuerdos que pueden construir una estructura de reflexión y sospecha. Contados a mí y a otres amigues, son recuerdos que no encajan, que confrontan, desafían y señalan límites a un cierto sentido de la acción política. Aspirantes a operativos tácticos, anuncian que la pluralidad del ser produce una pluralidad del actuar. Dibujan horizontes y sospechas para los proyectos de secularización. Narran una política encantada. El terecô es una religión de matriz africana con importante influencia indígena cuyo lugar de nacimiento es la región de Cocais, concretamente el municipio de Codó, en el interior del Estado de Maranhão en Brasil. También identificada como encantoria y macumba —y en muchos casos como umbanda—, encontramos practicantes de terecô y tiendas desde Ceará hasta Pará, cada uno con un terecô distinto. Esta diversidad hace que cualquier intento por definir terecô o encantoria sea insuficiente. No sólo por la complejidad y variedad de prácticas de cada casa, cada una con su propia doctrina, sino también por el secreto y el misterio que la acompañan. En el terecô, la obediencia, el cuidado, las obligaciones y la atención se dan a los encantados, entidades que descienden o se incorporan al cuerpo de les brincantes (como se llama a sus practicantes) en diferentes contextos de la vida social, no necesariamente restringidos al momento de tocar el tambor. Esta presencia sistémica convierte a estas entidades en seres que participan activamente en la vida cotidiana de les brincantes, entremezclando la vida humana con la no humana. Como una de las ciudades con mayor concentración de terreiros por metro cuadrado de Brasil, Codó es llamada peyorativamente "tierra de macumba", "capital del hechizo" y "meca de la brujería", estigma producido por el racismo y la intolerancia religiosa a las religiones de matriz africana en Brasil. Al mismo tiempo, la fama de Codó se debe también a una gran demanda, por parte de personas de todo Brasil, de padres santos y madres santas que trabajan en la ciudad resolviendo problemas de distinta naturaleza, desde el amor hasta la política. Aunque extendido y muy presente en el día a día de la ciudad, el prejuicio hacia el terecô y les brincantes es explícito, asociándolo con "cosas del diablo", especialmente por parte de las iglesias evangélicas y neopentecostales. La encantoria, sin embargo, responde a su manera. Fue el 16 de agosto cuando les brincantes, encantades y partidaries de la Tenda Espírita de Umbanda Rainha Iemanjá, cuya santa madre es Mãe Janaína, hija del difunto Bita do Barão, un famoso padre santo de la ciudad, salieron a la calle. En esta passeata —un evento que se realiza en muchas carpas en las que les encantades y brincantes salen a la calle y caminan durante horas— les brincantes recorrieron el centro de Codó guiades por un sistema de sonido de más de 3 metros de altura que amplifica los tambores al ritmo de la Mata. Justo al comienzo del desfile, había un grupo evangélico que cantaba canciones de alabanza a Jesucristo, gritando maldiciones a les brincantes. De repente, en medio de este grupo, un niño que no debía tener más de 15 años recibió a la entidad Pomba Gira, abriendo un círculo a su alrededor con movimientos irreverentes. Su coreografía es pronto identificada por les brincantes que, con humor, se dan cuenta de lo que allí sucede. La entidad baila en medio de les creyentes, desafiando sus oraciones y exorcismos. Algunes intentan contenerla, sin éxito. Tras el paso de la procesión, Pomba Gira se marcha llevando el cuerpo del niño al suelo. Fruto del racismo estructural y religioso del Estado y de la sociedad colonial brasileña, el terecô y las comunidades religiosas negras, al igual que muchas de las religiones de matriz africana en Brasil, están marcados por una persecución y una represión históricas, más vinculadas al Estado que a otras comunidades religiosas. Los antiguos —"viejos troncos", como los llaman aquí— cuentan algunas historias sobre esa época, especialmente sobre algunas tácticas para que los tambores no dejaran de sonar, y para que la práctica sobreviviera hasta hoy. Las historias, aunque son muchas, se transmiten poco a les más jóvenes y están constantemente sometidas a la desaparición y al olvido. Por eso pido permiso a les brincantes y a les encantades para contarlas aquí.
Lo lúdico, lo político y lo desafiante se cruzan en la configuración de una acción política propia.También me contaron historias de policías que entraron en las tiendas para prohibir el terecô, pero acabaron "cayendo" en él. El padre santo Zé Baixada me contó que él mismo puso a tocar la cabaça a unos policías que querían acabar con su fiesta: "Tocaron hasta la mañana. No sabían tocar, pero en ese momento aprendieron". Tereza cuenta una historia similar. Cuando aquel teniente Vitorino intentó acabar con el terecô en la tienda de Doña Naza, al llegar tiró la porra y la pistola al suelo, se quitó los zapatos y bailó el terecô durante toda la noche: "No sabía por qué, pero fue a prohibir el terecô y acabó cayendo en él". El sentido de "caer" también alude a una política del derrocamiento, tanto el cuerpo como la autoridad caen, sucumben a una rítmica y son arrastrados a una atmósfera. Someterse al ritmo del terecô, llamado ritmo o tambor de la selva, es transformar la autoridad performativa del Estado. Al encantar los cuerpos de los policías aparece una política diferente. Desde que empecé a escuchar estas historias no he dejado de pensar en cómo estas inusuales tácticas de confrontación con el poder del Estado trastocan gravemente cualquier programa político guerrillero o repertorio táctico contracolonial. Esta persecución sistemática y el estigma de la brujería hicieron que muches de les padres y madres santes tocaran el tambor en lugares reservados, como en la parte trasera de las casas o en espacios más alejados de la ciudad, en los bosques de babaçu o cerca de los ríos y lagos. Tocaban en silencio, a menudo sin tambor, utilizando bambúes, palmas y otros instrumentos. La antropóloga Martina Ahlert, en su trabajo sobre el terecô de Codó, nos cuenta una conversación que tuvo con Seu Bigobar, en la que éste dice que les encantades se consideran les dueñes del bosque y, por tanto, restringían el acceso a estos espacios a quien elles querían: "Sólo entraban en el bosque les que les encantades querían".[3] "Se dijo" —escribe Ahlert— "que los policías oyeron el sonido de sus tambores marcando el inicio de los rituales, pero que cuando se dirigieron hacia ellos, acabaron perdiéndose. Cuando se dieron cuenta, ya estaban en otros lugares del municipio".[4] Los policías escucharon el tamborileo desde un lado pero fueron llevados a otro, y así sucesivamente. En otros casos, los caminos nunca llevaban al destino. Caminaban pero se perdían constantemente. Me enteré por doña Mazé, esposa de Raimundinho Pombo Roxo, que en los alrededores donde se tocaba el tambor se cerraban los caminos con oraciones para que la policía no los encontrara. La madre de Santo Vicença me contó, entrelazando los dedos, que el propio bosque cerraba los caminos con raíces llenas de espinas: "Buscaron toda la noche y no pudieron encontrar el terecô". Como una especie de política de engaño, les encantades alteraron las percepciones, los caminos y las direcciones para que se produjera el disimulo. Otros recuerdos revelan la participación activa de les encantados en esta resistencia, como el que cuenta Roberto, un taxista de la ciudad, que recuerda las anécdotas de su tío, que tenía una pequeña mesa de santo en su casa y hacía su trabajo allí: "vivíamos en este tramo aquí, al otro lado del puente, en la Praça da Bandeira. Él estaba haciendo lo suyo allí, cuando los guardias municipales, la policía, pasaban silbando y entonces mandaba (...) sus encantades llevaban a esta gente a bañarse en el río, en el Itapecurú, hasta que se acababa. (...) Él se encarnaba y se iba a bañar. Cuando terminara, entonces los dejaría ir". Estas historias son comunes y también fueron identificadas por Martina Ahlert, era "común [...] escuchar que cuando los policías encontraban el lugar del tambor 'caían' (es decir, estaban encantades), bailando hasta la mañana del día siguiente".[5] Cícero Centriny cuenta también el día en que el nefasto teniente Vitorino es tomado por un encantado cuando llega a un terecô en el Quilombo Santo Antônio dos Pretos, cuna mítica de la religión.[6] Los ancianos y les propies encantades cuentan diferentes historias en distintas regiones de la ciudad, desde Miragaia hasta Santo Antônio dos Pretos. El hecho es que les encantades incorporaron a los policías para hacer participar a sus cuerpos en el terecô. En este sentido, además de la irreverencia performativa, además del engaño, podemos identificar en estos relatos una afrenta ontológica al propio concepto de política occidental.
Hilando con sutileza las fibras de las fuentes orales, Lior Zisman Zalis nos habla del "terecô", en la región de Codó, Brasil: más allá de ser una religión o "fenómeno cultural" es otra forma de concebir la agencia y la intransigencia de los seres, desafiando a su vez los alcances de la razón instrumental occidentalizada.
As histórias, ainda que sejam muitas, são pouco transmitidas aos mais novos e estão constantemente sujeitas ao desaparecimento e esquecimento. Peço, portanto, licença aos brincantes e aos encantados para contá-las aqui.A irreverência dos encantados em relação àqueles que os desafiam aparece em diferentes trabalhos sobre o terecô. A antropóloga Mundicarmo Ferretti registrou que Légua Boji Buá de Trindade, o Velho, entidade antiga e chefe da Encantaria da Mata Codoense, estava associado a defesa dos escravizados frente aos senhores. Sua atitude desafiante era marcada por histórias de aparecimentos transgressores. Conta-se que ele entrava na cidade montado em um burro, segurando o rabo do animal como a rédea, cuspindo nas casas dos brancos. A quem viesse falar com ele, logo castigava, possuindo-a e fazendo com que se debatesse no chão, ou colocando-a para subir em árvores altas cheias de espinhos. Depois disso partia com sua garrafa de cachaça e desaparecia.[1] Raimundinho Pombo Roxo, pai de santo com 94 anos de idade, conta a história do dia em que o Velho foi preso na delegacia depois de uma batida policial, fato recorrente no tempo em que o terecô era proibido e perseguido pela polícia. Na história, registrada inicialmente pela antropóloga Martina Ahlert[2], o Velho, em cima da finada Nazá, chegou na delegacia preso, mas logo pediu cachaça e dançou ao som da cabaça tocada por Raimundinho. Desafiando o Tenente Vitorino - figura que aparece em diferentes memórias da perseguição ao terecô - e os policiais com giramentos dançados e densos e constantes goles, foi liberado para nunca mais voltar. Escutei de Tereza, mãe pequena da Tenda Espírita de Umbanda Santa Bárbara, atualmente chefiada pela Mãe de Santo Maria dos Santos, a história de outra prisão do Velho Légua. Durante uma batida policial para acabar com o terecô, enquanto todos fugiram, Légua Boji, montado (incorporado) em um homem, ficou parado no meio do salão, estendeu as mãos e disse ao policial “Me prende”. Assim fizeram e o levaram para a delegacia. Ao chegar lá, abriu a cela e mandou os policiais entrarem. Confusos com o pedido, Légua logo explicou: “Não fiz nada errado para ser preso, quem fez foi vocês, pois tratem de entrar aí” e os policiais cumpriram. O velho Légua só saiu saindo. Cada vez que escuto histórias de como os encantados desafiavam o Estado através da afronta aos agentes policiais, penso na radicalidade política desta memória. Nessa política da afronta joga-se com a racionalidade do Estado. Sua força repressida é desafiada pelos encantados e pelos brincantes, não apenas colocando medo nos seus agentes, mas jogando, brincando e dançando com sua autoridade. O lúdico, o político e o desafio entrezcruzam-se na conformação de uma ação política própria.
Submeter-se ao ritmo do terecô, chamado de ritmo ou tambor da Mata, é transformar a autoridade performativa do Estado.
Aparece algo de la naturaleza del murmullo, esa cosa hecha de sonido y músculo que a veces canta, a veces cuenta, a veces se pierde y luego encuentra su camino para seguir haciendo eco.Intentaré aquí esbozar algunos de los recuerdos que pueden construir una estructura de reflexión y sospecha. Contados a mí y a otres amigues, son recuerdos que no encajan, que confrontan, desafían y señalan límites a un cierto sentido de la acción política. Aspirantes a operativos tácticos, anuncian que la pluralidad del ser produce una pluralidad del actuar. Dibujan horizontes y sospechas para los proyectos de secularización. Narran una política encantada. El terecô es una religión de matriz africana con importante influencia indígena cuyo lugar de nacimiento es la región de Cocais, concretamente el municipio de Codó, en el interior del Estado de Maranhão en Brasil. También identificada como encantoria y macumba —y en muchos casos como umbanda—, encontramos practicantes de terecô y tiendas desde Ceará hasta Pará, cada uno con un terecô distinto. Esta diversidad hace que cualquier intento por definir terecô o encantoria sea insuficiente. No sólo por la complejidad y variedad de prácticas de cada casa, cada una con su propia doctrina, sino también por el secreto y el misterio que la acompañan. En el terecô, la obediencia, el cuidado, las obligaciones y la atención se dan a los encantados, entidades que descienden o se incorporan al cuerpo de les brincantes (como se llama a sus practicantes) en diferentes contextos de la vida social, no necesariamente restringidos al momento de tocar el tambor. Esta presencia sistémica convierte a estas entidades en seres que participan activamente en la vida cotidiana de les brincantes, entremezclando la vida humana con la no humana. Como una de las ciudades con mayor concentración de terreiros por metro cuadrado de Brasil, Codó es llamada peyorativamente "tierra de macumba", "capital del hechizo" y "meca de la brujería", estigma producido por el racismo y la intolerancia religiosa a las religiones de matriz africana en Brasil. Al mismo tiempo, la fama de Codó se debe también a una gran demanda, por parte de personas de todo Brasil, de padres santos y madres santas que trabajan en la ciudad resolviendo problemas de distinta naturaleza, desde el amor hasta la política. Aunque extendido y muy presente en el día a día de la ciudad, el prejuicio hacia el terecô y les brincantes es explícito, asociándolo con "cosas del diablo", especialmente por parte de las iglesias evangélicas y neopentecostales. La encantoria, sin embargo, responde a su manera. Fue el 16 de agosto cuando les brincantes, encantades y partidaries de la Tenda Espírita de Umbanda Rainha Iemanjá, cuya santa madre es Mãe Janaína, hija del difunto Bita do Barão, un famoso padre santo de la ciudad, salieron a la calle. En esta passeata —un evento que se realiza en muchas carpas en las que les encantades y brincantes salen a la calle y caminan durante horas— les brincantes recorrieron el centro de Codó guiades por un sistema de sonido de más de 3 metros de altura que amplifica los tambores al ritmo de la Mata. Justo al comienzo del desfile, había un grupo evangélico que cantaba canciones de alabanza a Jesucristo, gritando maldiciones a les brincantes. De repente, en medio de este grupo, un niño que no debía tener más de 15 años recibió a la entidad Pomba Gira, abriendo un círculo a su alrededor con movimientos irreverentes. Su coreografía es pronto identificada por les brincantes que, con humor, se dan cuenta de lo que allí sucede. La entidad baila en medio de les creyentes, desafiando sus oraciones y exorcismos. Algunes intentan contenerla, sin éxito. Tras el paso de la procesión, Pomba Gira se marcha llevando el cuerpo del niño al suelo. Fruto del racismo estructural y religioso del Estado y de la sociedad colonial brasileña, el terecô y las comunidades religiosas negras, al igual que muchas de las religiones de matriz africana en Brasil, están marcados por una persecución y una represión históricas, más vinculadas al Estado que a otras comunidades religiosas. Los antiguos —"viejos troncos", como los llaman aquí— cuentan algunas historias sobre esa época, especialmente sobre algunas tácticas para que los tambores no dejaran de sonar, y para que la práctica sobreviviera hasta hoy. Las historias, aunque son muchas, se transmiten poco a les más jóvenes y están constantemente sometidas a la desaparición y al olvido. Por eso pido permiso a les brincantes y a les encantades para contarlas aquí.
Lo lúdico, lo político y lo desafiante se cruzan en la configuración de una acción política propia.También me contaron historias de policías que entraron en las tiendas para prohibir el terecô, pero acabaron "cayendo" en él. El padre santo Zé Baixada me contó que él mismo puso a tocar la cabaça a unos policías que querían acabar con su fiesta: "Tocaron hasta la mañana. No sabían tocar, pero en ese momento aprendieron". Tereza cuenta una historia similar. Cuando aquel teniente Vitorino intentó acabar con el terecô en la tienda de Doña Naza, al llegar tiró la porra y la pistola al suelo, se quitó los zapatos y bailó el terecô durante toda la noche: "No sabía por qué, pero fue a prohibir el terecô y acabó cayendo en él". El sentido de "caer" también alude a una política del derrocamiento, tanto el cuerpo como la autoridad caen, sucumben a una rítmica y son arrastrados a una atmósfera. Someterse al ritmo del terecô, llamado ritmo o tambor de la selva, es transformar la autoridad performativa del Estado. Al encantar los cuerpos de los policías aparece una política diferente. Desde que empecé a escuchar estas historias no he dejado de pensar en cómo estas inusuales tácticas de confrontación con el poder del Estado trastocan gravemente cualquier programa político guerrillero o repertorio táctico contracolonial. Esta persecución sistemática y el estigma de la brujería hicieron que muches de les padres y madres santes tocaran el tambor en lugares reservados, como en la parte trasera de las casas o en espacios más alejados de la ciudad, en los bosques de babaçu o cerca de los ríos y lagos. Tocaban en silencio, a menudo sin tambor, utilizando bambúes, palmas y otros instrumentos. La antropóloga Martina Ahlert, en su trabajo sobre el terecô de Codó, nos cuenta una conversación que tuvo con Seu Bigobar, en la que éste dice que les encantades se consideran les dueñes del bosque y, por tanto, restringían el acceso a estos espacios a quien elles querían: "Sólo entraban en el bosque les que les encantades querían".[3] "Se dijo" —escribe Ahlert— "que los policías oyeron el sonido de sus tambores marcando el inicio de los rituales, pero que cuando se dirigieron hacia ellos, acabaron perdiéndose. Cuando se dieron cuenta, ya estaban en otros lugares del municipio".[4] Los policías escucharon el tamborileo desde un lado pero fueron llevados a otro, y así sucesivamente. En otros casos, los caminos nunca llevaban al destino. Caminaban pero se perdían constantemente. Me enteré por doña Mazé, esposa de Raimundinho Pombo Roxo, que en los alrededores donde se tocaba el tambor se cerraban los caminos con oraciones para que la policía no los encontrara. La madre de Santo Vicença me contó, entrelazando los dedos, que el propio bosque cerraba los caminos con raíces llenas de espinas: "Buscaron toda la noche y no pudieron encontrar el terecô". Como una especie de política de engaño, les encantades alteraron las percepciones, los caminos y las direcciones para que se produjera el disimulo. Otros recuerdos revelan la participación activa de les encantados en esta resistencia, como el que cuenta Roberto, un taxista de la ciudad, que recuerda las anécdotas de su tío, que tenía una pequeña mesa de santo en su casa y hacía su trabajo allí: "vivíamos en este tramo aquí, al otro lado del puente, en la Praça da Bandeira. Él estaba haciendo lo suyo allí, cuando los guardias municipales, la policía, pasaban silbando y entonces mandaba (...) sus encantades llevaban a esta gente a bañarse en el río, en el Itapecurú, hasta que se acababa. (...) Él se encarnaba y se iba a bañar. Cuando terminara, entonces los dejaría ir". Estas historias son comunes y también fueron identificadas por Martina Ahlert, era "común [...] escuchar que cuando los policías encontraban el lugar del tambor 'caían' (es decir, estaban encantades), bailando hasta la mañana del día siguiente".[5] Cícero Centriny cuenta también el día en que el nefasto teniente Vitorino es tomado por un encantado cuando llega a un terecô en el Quilombo Santo Antônio dos Pretos, cuna mítica de la religión.[6] Los ancianos y les propies encantades cuentan diferentes historias en distintas regiones de la ciudad, desde Miragaia hasta Santo Antônio dos Pretos. El hecho es que les encantades incorporaron a los policías para hacer participar a sus cuerpos en el terecô. En este sentido, además de la irreverencia performativa, además del engaño, podemos identificar en estos relatos una afrenta ontológica al propio concepto de política occidental.
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