
Prazer, a cosmopercepção e errância negra, um ensaio coregráfico
[Español abajo] Introdução - Beatriz Lemos Se existe uma erohistoriografia do corpo dissidente, essa provavelmente passa pelo movimento e pela errância. Ao rejeitarmos os aprisionamentos coloniais, percorremos rotas para que possamos compartilhar alguns segredos. Assim, certas trocas só são possíveis entre nós. Só entre nós. Determinades nós.
A união ao nosso desejo é um desses segredos divididos ao longo das rotas. E é, só aí, que entendemos que o erotismo tem a ver com liberdade.Conversar com Luiz de Abreu é atravessar esse percurso, ou melhor, é caminhar dançando, criando movimentos aleatoriamente precisos ou cartesianamente soltos. É experimentar, entre o sensível e a razão, o desafio do novo, testemunhando a reinvenção de um corpo. Nosso encontro se dá a partir de uma provocação editorial feita por Terremoto e, assim, seguiu até aqui, contornando o tempo, a tecnologia, a privação, imaginando para nós as possibilidades de errância ainda não experimentadas. Pois, se vamos atravessar a maré, que seja com afetação, que seja para reencontrar a nós mesmos. E não existe (quase) nada mais velado, mais tabu e silenciado do que falar e praticar a autognose sobre a autonomia do desejo. A arte de Luiz de Abreu nos ajuda há muitos anos a entender a fantasia da raça sob a perspectiva do erótico e as armadilhas impostas pelo racismo aos corpos pretos. Um trabalho que encara de frente o legado racista como um mecanismo que escancara códigos de poder presentes de forma estruturante na sociedade brasileira. Portanto, a conversa entre Luiz e eu surge em nossas vidas como um convite para refletir sobre o prazer para além do trauma racial. Com isso, acho que falamos sobre imaginar vias de escape que possa nos proporcionar acontecimentos de liberdade.
Se existe uma erohistoriografia do corpo dissidente, essa provavelmente passa pelo movimento e pela errância.
Então, eu acho que é meio por aí, é tentar pensar na cosmopercepção, ou seja, captar a realidade através de todos os sentidos do corpo. A partir dessa experiência eu começo a falar de um corpo que pensa para além do cérebro e um corpo que vê para além dos olhos.2. Beatriz Esse corpo que vê além dos olhos, pensa além da razão e encontra suas maneiras para escapar das armadilhas de manipulação é o mesmo corpo que carrega uma memória de tempos que não os nossos. Tempos de trás e tempos de frente. Uma memória que habita entre órgãos, braços e pernas. No filme Orí, a historiadora Beatriz Nascimento diz que o corpo negro em dança será sempre o corpo liberto. E assim, também nos terreiros de candomblé, pois quando o orixá dança, convoca a liberdade de todo um povo. Você acredita em uma memória ancestral do movimento? Entendo que a fuga é um estado latente que orienta nossos corpos. Mas será que existe algo enquanto herança que vai desde um repertório gestual até frequências respiratórias ou temperaturas corporais, e que conduza ou seja pulsante aos corpos racializados? 2. Luiz Todo corpo negro em diáspora vem de uma mesma experiência da escravidão. Transformado em objeto e desumanizado, cria-se formas de resistência, como sendo um repositório da memória, uma biblioteca dos conhecimentos negros. É neste corpo que está todo o nosso conhecimento. É este corpo, constantemente traduzido e atualizado, que cria outras Áfricas. Assim, pensando no campo das religiões de matriz africana, que são feitas de dança, música, animismo e não apenas de um conceito do que é divino, é necessário o corpo em todas as suas potências para se conectar ao orixá e entidades. E a partir daí, deriva-se uma memória gestual. O corpo negro na cidade está sempre em alerta e em estado de dilatação. Tenho falado desse corpo em constante estado de performance como uma ação política. E assim que me coloco no mundo. Essa memória gestual da fuga é passada por gerações. Para ser um corpo negro andando na rua, por exemplo, é preciso conhecer algumas estratégias e códigos que passam por roupas adequadas, gestual mais lento e harmonioso, boas aparências, cabelo cortado e, atualmente, andar com uma bíblia embaixo do braço. Tudo como se fosse uma composição coreográfica do cotidiano que tem como dramaturgia um manual de sobrevivência do corpo preto.
La unión a nuestro deseo es uno de esos secretos compartidos a lo largo de las rutas. Y es entonces cuando entendemos que el erotismo tiene que ver con la libertad.Hablar con Luiz de Abreu es atravesar este camino; o mejor dicho, es caminar bailando, creando movimientos aleatoriamente precisos o cartesianamente sueltos. Es experimentar, entre lo sensible y la razón, el desafío de lo nuevo, atestiguando la reinvención de un cuerpo. Nuestro encuentro parte de una provocación editorial hecha por Terremoto; y así siguió hasta aquí, sorteando el tiempo, la tecnología, la privación, imaginando para nosotres las posibilidades de errancia aún no probadas. Porque si vamos a cruzar la marea, que sea con afecto, que sea para reencontrarnos. Y no hay (casi) nada más velado, más tabú y silenciado que hablar y practicar la autognosis sobre la autonomía del deseo. El arte de Luiz de Abreu lleva muchos años ayudándonos a entender la fantasía de la raza desde la perspectiva de lo erótico y las trampas que el racismo impone a los cuerpos negros. Es una obra que se enfrenta frontalmente al legado racista como mecanismo que expone los códigos de poder estructuralmente presentes en la sociedad brasileña. Por lo tanto, la conversación entre Luiz y yo surge en nuestras vidas como una invitación a reflexionar sobre el placer más allá del trauma racial. Con ello, creo que hablamos de imaginar vías de escape que puedan proporcionarnos acontecimientos de libertad.
Si existe una erohistoriografía del cuerpo disidente, ésta pasa probablemente por el movimiento y la errancia.
Incluso en la danza contemporánea, donde nos proponemos trabajar en un lugar no colonial del cuerpo, el ojo sigue siendo el líder del proceso creativo.En algunas culturas del África negra, el conocimiento se transmite predominantemente a través de la oralidad. Entonces, creo que es un poco eso, es tratar de pensar en la cosmopercepción, es decir, captar la realidad a través de todos los sentidos del cuerpo. A partir de esta experiencia, empiezo a hablar de un cuerpo que piensa más allá del cerebro y de un cuerpo que ve más allá de los ojos.
Este cuerpo que ve más allá de los ojos, que piensa más allá de la razón y que encuentra sus maneras de escapar de las trampas de la manipulación es el mismo cuerpo que lleva una memoria de tiempos que no son los nuestros. Tiempos pasados y tiempos por venir.
Prazer, a cosmopercepção e errância negra, um ensaio coregráfico
A união ao nosso desejo é um desses segredos divididos ao longo das rotas. E é, só aí, que entendemos que o erotismo tem a ver com liberdade.Conversar com Luiz de Abreu é atravessar esse percurso, ou melhor, é caminhar dançando, criando movimentos aleatoriamente precisos ou cartesianamente soltos. É experimentar, entre o sensível e a razão, o desafio do novo, testemunhando a reinvenção de um corpo. Nosso encontro se dá a partir de uma provocação editorial feita por Terremoto e, assim, seguiu até aqui, contornando o tempo, a tecnologia, a privação, imaginando para nós as possibilidades de errância ainda não experimentadas. Pois, se vamos atravessar a maré, que seja com afetação, que seja para reencontrar a nós mesmos. E não existe (quase) nada mais velado, mais tabu e silenciado do que falar e praticar a autognose sobre a autonomia do desejo. A arte de Luiz de Abreu nos ajuda há muitos anos a entender a fantasia da raça sob a perspectiva do erótico e as armadilhas impostas pelo racismo aos corpos pretos. Um trabalho que encara de frente o legado racista como um mecanismo que escancara códigos de poder presentes de forma estruturante na sociedade brasileira. Portanto, a conversa entre Luiz e eu surge em nossas vidas como um convite para refletir sobre o prazer para além do trauma racial. Com isso, acho que falamos sobre imaginar vias de escape que possa nos proporcionar acontecimentos de liberdade.
Se existe uma erohistoriografia do corpo dissidente, essa provavelmente passa pelo movimento e pela errância.
Então, eu acho que é meio por aí, é tentar pensar na cosmopercepção, ou seja, captar a realidade através de todos os sentidos do corpo. A partir dessa experiência eu começo a falar de um corpo que pensa para além do cérebro e um corpo que vê para além dos olhos.2. Beatriz Esse corpo que vê além dos olhos, pensa além da razão e encontra suas maneiras para escapar das armadilhas de manipulação é o mesmo corpo que carrega uma memória de tempos que não os nossos. Tempos de trás e tempos de frente. Uma memória que habita entre órgãos, braços e pernas. No filme Orí, a historiadora Beatriz Nascimento diz que o corpo negro em dança será sempre o corpo liberto. E assim, também nos terreiros de candomblé, pois quando o orixá dança, convoca a liberdade de todo um povo. Você acredita em uma memória ancestral do movimento? Entendo que a fuga é um estado latente que orienta nossos corpos. Mas será que existe algo enquanto herança que vai desde um repertório gestual até frequências respiratórias ou temperaturas corporais, e que conduza ou seja pulsante aos corpos racializados? 2. Luiz Todo corpo negro em diáspora vem de uma mesma experiência da escravidão. Transformado em objeto e desumanizado, cria-se formas de resistência, como sendo um repositório da memória, uma biblioteca dos conhecimentos negros. É neste corpo que está todo o nosso conhecimento. É este corpo, constantemente traduzido e atualizado, que cria outras Áfricas. Assim, pensando no campo das religiões de matriz africana, que são feitas de dança, música, animismo e não apenas de um conceito do que é divino, é necessário o corpo em todas as suas potências para se conectar ao orixá e entidades. E a partir daí, deriva-se uma memória gestual. O corpo negro na cidade está sempre em alerta e em estado de dilatação. Tenho falado desse corpo em constante estado de performance como uma ação política. E assim que me coloco no mundo. Essa memória gestual da fuga é passada por gerações. Para ser um corpo negro andando na rua, por exemplo, é preciso conhecer algumas estratégias e códigos que passam por roupas adequadas, gestual mais lento e harmonioso, boas aparências, cabelo cortado e, atualmente, andar com uma bíblia embaixo do braço. Tudo como se fosse uma composição coreográfica do cotidiano que tem como dramaturgia um manual de sobrevivência do corpo preto.
La unión a nuestro deseo es uno de esos secretos compartidos a lo largo de las rutas. Y es entonces cuando entendemos que el erotismo tiene que ver con la libertad.Hablar con Luiz de Abreu es atravesar este camino; o mejor dicho, es caminar bailando, creando movimientos aleatoriamente precisos o cartesianamente sueltos. Es experimentar, entre lo sensible y la razón, el desafío de lo nuevo, atestiguando la reinvención de un cuerpo. Nuestro encuentro parte de una provocación editorial hecha por Terremoto; y así siguió hasta aquí, sorteando el tiempo, la tecnología, la privación, imaginando para nosotres las posibilidades de errancia aún no probadas. Porque si vamos a cruzar la marea, que sea con afecto, que sea para reencontrarnos. Y no hay (casi) nada más velado, más tabú y silenciado que hablar y practicar la autognosis sobre la autonomía del deseo. El arte de Luiz de Abreu lleva muchos años ayudándonos a entender la fantasía de la raza desde la perspectiva de lo erótico y las trampas que el racismo impone a los cuerpos negros. Es una obra que se enfrenta frontalmente al legado racista como mecanismo que expone los códigos de poder estructuralmente presentes en la sociedad brasileña. Por lo tanto, la conversación entre Luiz y yo surge en nuestras vidas como una invitación a reflexionar sobre el placer más allá del trauma racial. Con ello, creo que hablamos de imaginar vías de escape que puedan proporcionarnos acontecimientos de libertad.
Si existe una erohistoriografía del cuerpo disidente, ésta pasa probablemente por el movimiento y la errancia.
Incluso en la danza contemporánea, donde nos proponemos trabajar en un lugar no colonial del cuerpo, el ojo sigue siendo el líder del proceso creativo.En algunas culturas del África negra, el conocimiento se transmite predominantemente a través de la oralidad. Entonces, creo que es un poco eso, es tratar de pensar en la cosmopercepción, es decir, captar la realidad a través de todos los sentidos del cuerpo. A partir de esta experiencia, empiezo a hablar de un cuerpo que piensa más allá del cerebro y de un cuerpo que ve más allá de los ojos.
Este cuerpo que ve más allá de los ojos, que piensa más allá de la razón y que encuentra sus maneras de escapar de las trampas de la manipulación es el mismo cuerpo que lleva una memoria de tiempos que no son los nuestros. Tiempos pasados y tiempos por venir.
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